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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

SONETOS - Por Bocage


SONETOS 
Por Bocage 
A EXISTÊNCIA DE DEUS, 
PROVADA PELAS OBRAS DA CRIAÇÃO 

Os milhões de áureos lustres coruscantes 
Que estão d'azul abobada pendendo;
O sol, e a que ilumina o trono horrendo
Dessa, que anima os ávidos amantes;
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As vastíssimas ondas arrogantes, 
Serras de espuma contra os céus erguendo, 
A leda fonte humilde o chão lambendo, 
Lourejando as searas flutuantes; 
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O vil mosquito, a próvida formiga, 
A rama chocalheira, o trono mudo,
Tudo que há Deus a confessar me obriga; 
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E para crer num braço, autor de tudo,
Que recompensa os bons, que os maus castiga, 
Não só da fé, mas da razão me ajudo. 
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ALUDINDO À PROFECIA DE ISAÍAS 
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Queimando o véu dos séculos futuros
O vate, aceso em divinais luzeiros, 
Assim cantou (e aos ecos pregoeiros
Exultaram, Sion, teus sacros muros); 
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O justo descerá dos astros puros
Em deleitosos, cândidos chuveiros, 
As feras dormirão com os cordeiros, 
Suarão doce mel carvalhos duros; 
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"A virgem será mãe; vós dareis flores, 
Brenhas intonsas, em remotos dias; 
Porás fim, torva guerra, a teus horrores."
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Não, não sonhou o altíssimo Isaías; 
Oh reis, ajoelhai, correi, pastores! 
Eis a prole do Eterno, eis o Messias!
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À PAIXÃO DE JESUS CRISTO 
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O filho do gran' rei, que a monarquia
Tem lá nos céus, e que de si procede, 
Hoje mudo e submisso à fúria cede. 
De um povo, que foi seu, que à morte o guia; 
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De trevas de pavor se veste o dia, 
Inchando o mar o seu limite excede, 
Convulsa a terra por mil bocas pede
Vingança de tão nova tirania; 
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Sacrilégio mortal, que espanto ordenas, 
Que ignoto horror, que lúgubre aparato!...
Tu julgas teu juiz !... Teu Deus condenas!
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Ah ! Castigai, Senhor, o mundo ingrato; 
Caiam-lhes as maldições, chovam-lhes as penas, 
Também eu morra, que também vos mato. 
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INVOCANDO O AMPARO DA VIRGEM SANTÍSSIMA
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Tu, por Deus entre todas escolhida, 
Vigem das virgens, tu, que do assanhado
Tartáreo monstro com teu pé sagrado
Esmagaste a cabeça entumecida; 
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Doce abrigo, santíssima guarida
De quem te busca em lágrimas banhado, 
Corrente com que as nódoas do pecado
Lava uma alma, que geme arrependida;
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Virgem, de estrelas nítidas coroada, 
Do Espírito, do Pai, do Filho eterno
Mãe, filha, esposa, e mais que tudo amada; 
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Valha-me o teu poder e amor materno;
Guia este cego, arranca-me da estrada, 
Que vai parar ao tenebroso inferno! 
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AFETOS DUM CORAÇÃO CONTRITO
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Ó rei dos reis, ó árbitro do mundo, 
Cuja mão sacro-santa os maus fulmina, 
E cuja voz terrifica e divina
Lúcifer treme no seu caos profundo! 
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 Lava-me as nódoas do pecado imundo, 
Que as almas cega, as almas contamina; 
O rosto para mm piedoso inclina, 
Do eterno império teu, do céu rotundo; 
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Estende o braço, a lágrimas propício, 
Solta-me os ferros, em que choro e gemo
Na extremidade já do precipício;
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De mim próprio me livra, ó Deus supremo! 
Porque o meu coração propenso ao vício
É, Senhor, o contrário que mais temo. 
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DEPRECATÓRIO, EM OCASIÃO DE TEMPESTADE
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Filho, Espirito e Pai, três e um somente, 
Que extraíste do caos, do pó, do nada
O sol dourado, a lua prateada, 
O racional, e irracional vivente; 
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Eterno, justo, imenso onipotente, 
Que ocupas essa abóbada estrelada, 
Gran'Ser, de cuja força ilimitada
 A máquina do mundo está pendente; 
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Tu, que, se queres, furacão violento, 
Sumatra feia, tempestade escura
Desatas, e subjugas num momento;
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Criador, que remiste a criatura, 
Quebra o furor do túmido elemento, 
Que nos abre no inferno a sepultura! 
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CONFORMIDADE COLHIDA NA RELIGIÃO 
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 Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça, 
A desesperação me despedaça
No mesmo instante o frágil sofrimento;
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Mas súbito me diz o pensamento 
Para aplacar-me a dor, que me trespassa, 
Que este, que trouxe ao mundo a lei da graça, 
Teve num vil presépio o nascimento. 
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Vejo na palha o Redentor chorando, 
Ao lado a mãe, prostrados os pastores, 
A milagrosa estrela os reis guiando;
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Vejo-o morrer depois, oh pecadores, 
Por nós, e fecho os olhos adorando
Os castigos do céu como favores. 
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BREVE BIOGRAFIA 
Manuel Maria Barbosa du Bocage, poeta português, nasceu em Setúbal a 15 de setembro de 1765 e morreu a 21 de Dezembro de 1805. Cursou os estudos militares, e como guarda-marinha partiu para a índia, fazendo-se notar em Goa pela virulência dos seus versos. Destacado para Damão fugiu para a China, indo ter ao fim de muitos trabalhos a Macau, e regressando a Portugal em 1790. As lutas da Nova Arcádia, pela exclusão que lhe infligiram, puseram em relevo o gênio de Bocage. Ele e os seus companheiros frequentavam o botequim do Nicola em um retiro especial conhecido pelo nome de "Agulheiro de Sábios". Em 1797 foi preso por autoria de "Papéis ímpios e sediciosos". Entre esses papéis ímpios achados na residência de Bocage, os principais eram as poesias conhecidas pelos nomes  de "A voz da Razão e Pavorosa". Dotado de raras faculdades, esbanjou seu talento em improvisações. Acabou a vida traduzindo poemas didáticos franceses, de delille, Castel, Rosset, Lacroix.  Bocage exerceu considerável influência na metrificação portuguesa, tornando o verso mais harmonioso. Deixou Odes, elegias, idílios, canções, sátiras, epístolas, etc., Mas são sobretudo notáveis os seus sonetos. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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